quarta-feira, 6 de outubro de 2010

A veja virou tribunal

Eu sempre soube que a opção política e a visão ideológica influenciavam o pensamento das pessoas. No entanto, não tinha dimensão do quanto esses elementos podem determinar as condições cognitivas das pessoas, fazendo-as fechar os olhos (ou não mostrar os dentes afiados) para elementos narrativos evidentes.

Após e apreciar a leitura do texto Dois pesos, da jornalista Maria Rita Khel, do jornal Estadão. Resolvi enviar para alguns colegas professores. No outro dia, ao encontrar um desses professores eleitor do Serra e leitor assíduo da revista Veja, tive a confirmação que a opção política e a visão ideológica prejudicam a cognição.

Estávamos sentados lado a lado e coincidentemente a Veja cuja edição tem na capa uma estrela vermelha rasgando o Capítulo 5 da Constituição Federal e logo abaixo a manchete: “A liberdade sob ataque. A revelação de evidências irrefutáveis de corrupção no Palácio do Planalto renova no presidente Lula e no seu partido o ódio à imprensa livre”. Animado pela interpretação e elucidação do artigo de Maria Rita comentei que a mesma esteve prestes a ser demitida do jornal devido ao artigo. Com um ânimo sarcástico meu caro colega logo respondeu: “Foi falar mal do Lula”.

O quê? Falar mal do Lula, pelo que me consta, o artigo faz uma reflexão adequada sobre análises injustas sobre o governo Lula. Não diria que fala categoricamente bem, mas pondera dois pesos e duas medidas. No entanto, quero chamar a atenção para o poder ideológico da revista Veja. Uma manchete extremamente refutável politicamente e, principalmente, sob o ponto de vista das liberdades democráticas, afinal, ela já condena por “evidências irrefutáveis” a corrupção. Não quero aqui afirmar que não possa existir, mas que deixe a justiça julgar e não o editorial da revista. Quem deu o direito da revista de condenar os cidadãos? Onde está o direito de defesa? Onde está o princípio constitucional que todos são inocentes até que se prove o contrário em trânsito e julgado? Ou esses princípios não servem para a classe pobre que já nasce condenada pelos infortúnios de seus destinos.

Com base nesta deturpação clara do pacto social da divisão dos três poderes, a revista deixa claro que busca sua afirmação como quarto poder, mas de maneira extremamente leviana. Pautada em uma tese que não lhe cabe julgamento, fez com que meu caro colega, interpretasse o artigo com outra medida, a medida de que o Lula renovou o seu ódio à imprensa livre e que, à semelhança do Serra, pede a cabeça dos jornalistas que vão contra suas manipulações.

Vamos parar de construirmos nossas opiniões com base na revista Veja, por favor.

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