sexta-feira, 23 de julho de 2010

Reflexões sobre o castigo do guarda não mirim

Continuação do memorial do curso do Sinase:

Ao lembrar esse fato da minha infância e seguindo as orientações do segundo momento para elaboração do memorial vem à tona a questão da punição ou castigo. Já delineie algumas ideias no decorrer do texto anterior, mas para enfatizar farei um sumário. O primeiro ponto da minha reflexão é a relação de quem recebe e de quem dá o castigo ou punição. Aliás, um ponto importante que vai determinar o sucesso ou não do ato, pois se o castigo vem de alguém sem nenhum contato afetivo e de confiança com o adolescente terá grandes chances de fracassar. Isto porque o castigo ou punição terá um significado externo, representa a punição de uma coletividade. Um adulto até consegue compreender uma punição desta natureza, já um adolescente terá grandes dificuldades em compreender tal aspecto pelo próprio fato de estar em desenvolvimento, ou seja, ainda estar envolvido com questões emocionais e afetivas que não o permite compreender os significados do pragmatismo da sociedade. Portanto, um castigo ou punição aplicado por alguém que tenha uma representação emocional terá mais chances de sucesso. Com esse pressuposto, acredito sim que o castigo ou punição, quando aplicados de maneira adequada, justa e sem abusos, pode ter os efeitos desejáveis. Caso contrário, poderá causar revolta e rebeldia podendo piorar a situação.

O segundo ponto é que nossa sociedade brasileira, de modo geral, e especificamente as políticas públicas, não tem condições objetivas e subjetivas de aplicar esses castigos e punições de maneira adequada. Ainda vivemos em uma cultura com resquícios de ditadura, misturada com permissividade elitista. Pode até ser paradoxal, mas é isso que vejo. De um lado, temos uma moralidade que exige atitudes firmes e duras para configurar exemplos, de outro, temos o “jeitinho” que cria situações permissivas a classes privilegiadas. E é nestas contradições que o adolescente vai formando sua identidade e sofrendo suas angústias sem saber qual é o correto a ser seguido.

O terceiro é que o castigo ou punição não significa violência ou imposição, mas cumprir contratos pré-estabelecidos. Se o adolescente passou dos limites acordados para determinada situação é preciso sofrer alguma sansão. Afinal, é isso que significa viver em sociedade. Temos contratos a seguir e ao rompermos sofremos as consequências. No entanto, aí entra outra questão importante a refletir: um adolescente que vive em uma família que não tem seus direitos mínimos assegurados sente na pele que o contrato que a sociedade fez para lhe dar segurança, educação, lazer, cultura, enfim, as condições mínimas para sobrevivência digna foi quebrado e, como atualmente, não temos vias sérias e efetivas para reivindicarmos esses direitos perdidos, o que lhe resta, muitas vezes, são as vias do crime, da delinquência, da rebeldia, do ato-infracional.

Por fim, o último ponto é que sempre temos que optar pela criatividade ao aplicarmos um castigo ou punição. Algo que realmente faça o adolescente refletir sobre o ato. Um exemplo aparentemente bobo, mas que no momento é o único que me vem a mente, foi um episódio do desenho Os Simpsons, no qual o Bart havia feito uma travessura e sua mãe, lendo um livro intitulado “Castigos Modernos”, lhe disse que se não reparasse o dano lhe castigaria apagando o Memory Card do seu videogame. Portanto, o que vejo nos castigos e punições são a excessiva falta de criatividade, imaginação e afetividade, características que sobram nos adolescentes

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Um ponto, um feixe, uma observação. De um lado, a angústia e o espaço, do outro, a ilusão e o porto. Ambos separados pela janela fechada, ambos unidos pelo ponto, pelo feixe. Minha face anseia pelo ar. Pelo toque delicado de suas retinas fechadas pelo silêncio da noite que cai. Meus pés aguardam a terra. O cheiro doce e molhado de suas mãos abertas pelo vento que sopra na escuridão.

domingo, 18 de julho de 2010

O Guarda Não Mirim e a disciplina

Escrevi este texto para um curso que estou fazendo sobre o SINASE (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo):
O Guarda Não Mirim e a disciplina
O ano é 1992, a idade 12 anos, a cidade Birigui. Dentro de mim brota a incrível curiosidade de descobrir a cidade, ver o que se esconde atrás de cada muro, subir em todas as árvores e olhar os poucos prédios que se iniciam a tocar o céu com suas antenas, conhecer novos asfaltos e cruzar jovens esquinas da cidade que cresce. Na escola, as meninas começam a se tornar interessantes e a vergonha de dar o primeiro beijo se mistura com a vontade de senti-lo. Os meninos sempre companheiros de futebol e role de bike. O corpo começa a dar sinais de mudança e a mente nem imagina os prazeres e as dores que há por vir do autodescobrimento sexual da adolescência. No rádio ouço Information Society que embala um movimento dessincronizado, meio monólogo, meio moderno conservador. Meu pai trabalha o dia inteiro e quando chega a noitinha disfarça preocupações financeiras com leves brincadeiras e mágicos sorrisos das trapalhadas dos Trapalhões. Minha mãe fica o dia inteiro em casa, lava, passa, limpa, briga comigo pelo leite derramado, conversa com a vizinha sobre a nova música do Leandro e Leonardo e fala mal do filho da vizinha que começou a fumar maconha, coitada da mãe ter um filho maconheiro, diz a outra com indignação. A palavra maconheiro soa forte, intensa, chego até ficar com medo da minha curiosidade, mas logo esqueço porque a rua fala mais alto. Pego minha bike e corro para sentir o vento no rosto, sentimento que outrora fui descobrir que se chama liberdade e que poucos seriam os momentos que ela estaria por perto. Num dia desses que parecia igual aos outros, porque na infância tudo parece igual, minha mãe chega e diz que me matriculou na Guarda Mirim. Logo penso: “caramba, vou ser policial, o que os caras vão pensar de mim?”, mas esse pensamento se refaz quando minha mãe explica que é pra arrumar um serviço, “ufa, melhor trabalhador”. No outro dia, que já não era mais igual aos outros, era segunda-feira, vou à escola e depois do almoço, devorado com ansiedade, pego minha bike e vou pra tal da Guarda Mirim. Assim que chego, meu sorriso de felicidade é silenciado pela palavra disciplina, proferida pelo guarda que não era tão mirim quanto eu pensava. Passo a tarde toda tentando conhecer o novo lugar e encerro com um banho coletivo que é vigiado pelo sadismo da disciplina imposta. Lembro-me que tudo aquilo parecia uma prisão, não sabia a diferença entre estar detido ou condenado, e pensava: “será que as crianças pobres já têm que aprender desde cedo o que significa ficar preso pra depois arrumar um serviço?”. Na terça vem a lista de regras disciplinares, nem a escola tinha tantas. O Guarda Não Mirim tinha certa crueldade em suas atitudes, quanta falta de imaginação educar pela imposição, vejo agora, mas na época não tinha muita ideia de porque tanta punição. Eu entendia uma punição do meu pai, da minha mãe, mas aquele lugar era estranho. Um garoto mais velho disse que era a sociedade. Quem é essa sociedade? Na quarta cheguei a falar pra mim mãe que não iria mais porque a sociedade ficava punindo só pra gente aprender a ser disciplinado, parecia que eu era irregular.Lembro-me que os garotos mais velhos eram fodas, sabiam muita coisa. Na quinta me disseram que sabiam abrir cadeados. Na sexta disseram que sabiam como enrolar maconha na seda. E no sábado até me deram um cigarro pra eu fumar. Percebi que muitos deles faziam aquelas coisas só pra ir contra o que o Guarda Não Mirim falava no sermão de domingo, com certeza era a tal da sociedade que pedia pra ele falar aquelas coisas, os meninos sempre se olhavam com orgulho um para os outros quando ele falava alguma coisa que transgrediam. Logo percebi que não eram os caras mais velhos que precisavam se corrigir, mas aquele sistema que não dava nenhuma proteção. O domingo passou rápido, quase nem percebi. E a segunda chegou novamente. Peguei minha bike, que já não dava tanto prazer, e fui pra Guarda Mirim. Ainda bem que a tarde foi de folga e eu com os meninos mais novos ficamos brincando em um rolete de cimento, que tragicamente passou por cima de minha perna. Ainda bem que não foi muito grave, apenas o susto e uma cicatriz que tenho até hoje. Pra minha felicidade, na terça minha mãe foi lá pedir minha dispensa. Saímos de lá de mãos dadas e ela resmungando: que lugar sem disciplina!