quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Bolsa família e a esmola

Depois de um pequeno debate sobre o bolsa família com uma colega de trabalho, refleti sobre a frequente comparação do bolsa família com esmola e gostaria de fazer algumas considerações importantes:

Quem dá esmola não faz nenhum tipo de análise socioeconômica da pessoa, no bolsa família existe um cadastro avaliando toda a situação socioeconômica e familiar da pessoa. De fato, existem casos que as pessoas dão declarações falsas, mas frequentemente são identificadas com o passar do tempo e isso são exceções que só confirmam a regra.

Quem dá esmola não exige nenhum tipo de condicionalidade, no bolsa família existem as condições de manter os filhos matriculados e frequentando a escola (mesmo com todos os problemas na escola ainda é melhor do que a rua), estar em dia com as vacinações dos filhos e participar de trabalhos socioeducativos e de profissionalização na assistência social.

Quem dá esmola o valor é irrisório, o bolsa família pode chegar até R$ 200,00 e que é um afronto a quem crítica o próprio programa, pois normalmente criticam o valor baixo, caracterizando-o como esmola e não como programa de transferência de renda, imaginem se o programa fosse realmente de transferência de renda?

Quem dá esmola é esporádico e espontâneo, o bolsa família é permanente e garantido, proporcionando às famílias um planejamento mínimo para sua autonomia.

Quem dá esmola é motivado por dó, pena, desencargo de consciência ou simplesmente para se livrar da pobreza diante dos olhos, o bolsa família é política pública que garante o direito constitucional de alimentação, dentre outros.

Quem dá esmola estimula a comodidade, o bolsa família estimula a profissionalização por meio de cursos e a cidadania por meio de trabalhos socioeducativos.

Quem dá esmola é quem tem recursos fruto das oportunidades que teve na vida, (o que é extremamente louvável) o bolsa família redistribui a renda por meio de impostos de quem tem muito, embora o país deva fazer uma reforma tributária para aumentar os impostos de quem tem muito e desonerar a classe média.

Quem dá esmola estabelece uma relação de subordinação com quem recebe, o bolsa família estabelece uma relação de cidadania, pois é uma política de estado e não personalizada.

Quem dá esmola não quer ver a pessoa se superar e estimula a desigualdade social, o bolsa família tem como objetivo a superação da condição de pobreza e diminuiu a pobreza em termos absolutos.

Quem dá esmola é pra quem pede, normalmente homens, o titular do bolsa família é preferencialmente a mulher, evitando casos de mal uso do dinheiro.

Quem dá esmola não vai a regiões subdesenvolvidas para estimular o desenvolvimento econômico e estimula a migração para os grandes centros urbanos, provocando mais problemas sociais, o bolsa família favorece essas regiões e permite as pessoas manterem suas raízes e o desenvolvimento local.

Será mesmo o bolsa família uma esmola?

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

A veja virou tribunal

Eu sempre soube que a opção política e a visão ideológica influenciavam o pensamento das pessoas. No entanto, não tinha dimensão do quanto esses elementos podem determinar as condições cognitivas das pessoas, fazendo-as fechar os olhos (ou não mostrar os dentes afiados) para elementos narrativos evidentes.

Após e apreciar a leitura do texto Dois pesos, da jornalista Maria Rita Khel, do jornal Estadão. Resolvi enviar para alguns colegas professores. No outro dia, ao encontrar um desses professores eleitor do Serra e leitor assíduo da revista Veja, tive a confirmação que a opção política e a visão ideológica prejudicam a cognição.

Estávamos sentados lado a lado e coincidentemente a Veja cuja edição tem na capa uma estrela vermelha rasgando o Capítulo 5 da Constituição Federal e logo abaixo a manchete: “A liberdade sob ataque. A revelação de evidências irrefutáveis de corrupção no Palácio do Planalto renova no presidente Lula e no seu partido o ódio à imprensa livre”. Animado pela interpretação e elucidação do artigo de Maria Rita comentei que a mesma esteve prestes a ser demitida do jornal devido ao artigo. Com um ânimo sarcástico meu caro colega logo respondeu: “Foi falar mal do Lula”.

O quê? Falar mal do Lula, pelo que me consta, o artigo faz uma reflexão adequada sobre análises injustas sobre o governo Lula. Não diria que fala categoricamente bem, mas pondera dois pesos e duas medidas. No entanto, quero chamar a atenção para o poder ideológico da revista Veja. Uma manchete extremamente refutável politicamente e, principalmente, sob o ponto de vista das liberdades democráticas, afinal, ela já condena por “evidências irrefutáveis” a corrupção. Não quero aqui afirmar que não possa existir, mas que deixe a justiça julgar e não o editorial da revista. Quem deu o direito da revista de condenar os cidadãos? Onde está o direito de defesa? Onde está o princípio constitucional que todos são inocentes até que se prove o contrário em trânsito e julgado? Ou esses princípios não servem para a classe pobre que já nasce condenada pelos infortúnios de seus destinos.

Com base nesta deturpação clara do pacto social da divisão dos três poderes, a revista deixa claro que busca sua afirmação como quarto poder, mas de maneira extremamente leviana. Pautada em uma tese que não lhe cabe julgamento, fez com que meu caro colega, interpretasse o artigo com outra medida, a medida de que o Lula renovou o seu ódio à imprensa livre e que, à semelhança do Serra, pede a cabeça dos jornalistas que vão contra suas manipulações.

Vamos parar de construirmos nossas opiniões com base na revista Veja, por favor.